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Tuesday, March 15, 2005

Pipoca: o retrato do português (pouco) civilizado

Nos últimos anos, a pipoca entrou em força nos nossos costumes cinéfilos. Com o encerramento de muitas salas singulares e o quase monopólio do multiplex (geralmente enquadrado num centro comercial) o cinema ficou uma mera extensão do consumo, do lazer, do entretenimento. Claro que há ainda quem vá ao cinema para ver cinema, mas é comum que uma pessoa passe uma tarde de sábado no centro comercial e que o programa inclua, entre outras coisas, o visionamento de um filme.

Acontece que o espaço de um centro comercial, sendo público, é também totalmente distendido. Nesse espírito, as salas de cinema oferecem agora todo o tipo de comodidades domésticas. São as pipocas, os chocolates, os cachorros, as coca-colas, e outros confortos variados de cadeira e posição corporal. Claro que é muito mais difícil tornar uma sala de cinema numa espécie de sofá caseiro e depois exigir a alguns espectadores um comportamento civilizado. Mas a filosofia facilitista das novas salas permite que o público de cinema se porte de forma mais primária. Basta observar como os anúncios que pedem civilidade fazem solicitações quase ofensivas ("não atire o lixo para o chão", etc.) mas que fazem infelizmente sentido, tendo em visto algum público. Sabendo isso, alguns cinéfilos evitam os fins-de-semana e as segundas- -feiras, ou as sessões das 21.30, e procuram horários menos concorridos, em que não tenham que aturar telemóveis, comentários, piadinhas. E pipocas.

Reparem eu não tenho nada contra milho estaladiço. Gosto de pipocas e algumas vezes comi pipocas no cinema. Mas eu vou ao cinema à meia-noite, quando só há cinco ou seis pessoas na sala. O problema da pipoca não está no suposto desrespeito pelo ritual fílmico: o que está em causa é a possibilidade de uma sociabilidade civilizada. As pipocas, consumidas em massa numa sala cheia, efectivamente perturbam o espectáculo, porque fazem ruído (do saco e da mastigação) e porque empestam o ambiente com o cheiro (para além de deixaram a sala imunda). Mas convém dizer que a pipoca é apenas a imagem mais forte de um comportamento crescentemente incivilizado que não sabe distinguir espaço público e espaço privado.


texto de Pedro Mexia
Notícia completa in DN

Mª Inês
|| rbn´s blogue, 3:54 PM

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